A dupla francesa Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal é conhecida por suas intervenções delicadas, reorientando estruturas negligenciadas com aparente facilidade. Originalmente publicado no site Harvard Gazette com o título original de "They Build, But Modestly", este artigo reconta as lições que eles ofereceram aos alunos em uma palestra na Harvard Graduate School of Design.
Por volta de 1980, dois jovens arquitetos terminaram sua graduação em Bordeaux, na França, e mudaram-se para a Nigéria. Nas regiões remotas do país africano, eles foram inspiradas pelas estruturas simples que viram em meio às impressionantes paisagens do deserto. As casas eram abertas ao ar, tinham telhados de palha utilitários e eram feitas com pedaços de madeira local. A modéstia prevalecia em estruturas que também traziam beleza.
As lições de construção na África permaneceram com Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal em sua prática baseada em Paris, Lacaton & Vassal: usar o que há no local, permanecer simples, abraçar o ar livre e honrar luz, liberdade e graça. Eles praticam arquitetura social baseada na economia, na modéstia e na beleza dos espaços.
"A África foi provavelmente nossa segunda escola" depois de Bordeaux, disse Vassal. Enquanto na Nigéria, eles trabalharam com planejamento urbano e viajaram para se maravilharem com as práticas de construção nativas. “Foi uma liberdade fantástica viver lá”.
A crença na arquitetura social, sombreada por um senso de desenvoltura e economia africanas, agora abrange a utilidade omitida e a beleza invisível de edifícios abandonados, moradias públicas negligenciadas, praças degradadas e florestas urbanas cobertas de vegetação que correm o risco da falta de imaginação e desenvolvimentos grosseiros.
Os arquitetos trouxeram sua mensagem para a Harvard Graduate School of Design (GSD) em uma palestra noturna no dia 24 de março de 2015, no Auditório Piper de Gund Hall.
Lacaton é um crítico visitante de projetos na GSD. Ela esteve co-lecionando um curso chamado “Re-Defining Urban Living". (Seu parceiro de sala de aula é o instrutor da GSD em arquitetura Marcos Rojo, um arquiteto espanhol com interesse no ambiente construído da África Ocidental).
O curso aplica a ética arquitetônica de Lacaton & Vassal, mesmo em ambientes urbanos danificados, cada vez mais densos e antigos. Essa ética sustenta que os projetos devem enfatizar os valores humanizadores de conforto, prazer, bem-estar, economia e modéstia.
Os projetos de Lacaton & Vassal defendem a “precisão, sensibilidade, gentileza e a atenção”, disse Lacaton nos apontamentos iniciais. Habitação exige de um arquiteto "a atenção contínua ao seu habitante."
Em um projeto chamado 23 Unidades de Habitação Semi-Coletivas em Trignac, França, Lacaton & Vassal construiu uma série de apartamentos duplex cheios de luz encimados por estufas para hortas. A mesma ideia - uma sólida e simples grade de concreto e aço versátil e grande o suficiente para conter interiores lúdicos - está em ação na Escola de Arquitetura de Nantes. Sua estrutura leve de aço enfatiza interiores flexíveis e generosos, transparentes o suficiente para exibir vistas da paisagem urbana.
Vassal aborda edifícios, como o de Nantes, que têm "porosidade", um esforço para misturar "o que está dentro e o que está fora".
Atuar nesses projetos é outro dos princípios da empresa: construir espaços generosos com o menor custo possível, com um senso de economia que não renuncie ao conforto e à beleza. Gaste o mínimo, disse Vassal, "para obter o máximo".
Economia também pode significar reformar o que já está lá. Um dos exemplos mais famosos dessa ética de sustentabilidade da Lacaton & Vassal é a reformulação em 2002 do Palais de Tokyo, uma estrutura de 1937 abandonada por décadas, com 20.000 metros quadrados de espaço urbano subutilizado, em Paris.
O projeto pedia “quase nada”, disse Vassal. “Apenas o mínimo para aquecimento, para iluminação.” Agora é um espaço de arte contemporânea agora, atraindo 800.000 visitantes por ano e ampliado em 2012. O resultado ilustra a beleza de fazer pouco, mas de forma inteligente, “tornar sustentável” ela disse: "o que já existe."
Em outro projeto, FRAC Dunkerque, Lacaton & Vassal combinaram a construção do novo com a preservação do antigo. Em vez de derrubar um antigo depósito de barcos na cidade portuária de Dunkirk, na França, eles decidiram construir outro semelhante a ele - pelo menos nas mesmas dimensões - bem próximo.
"Aqui dentro estava a energia", disse Vassal sobre o grande espaço interior da estrutura original, nostálgico, mas útil. "Aqui dentro estava o trabalho do povo." A estrutura dupla é agora uma galeria de arte contemporânea.
A mesma ideia se aplica a outro projeto de Lacaton & Vassal. Um aglomerado de habitações sociais urbanas, edifícios de 10 andares de 40 apartamentos cada foi revivido pela adição de varandas. Elas podem ser fechadas como “jardins de inverno” que armazenam calor. São cheios de luz e sensíveis às vistas locais. Tudo isso veio, disse Vassal, com um "orçamento muito menor do que a demolição e a reconstrução".
Da mesma forma, em Bordeaux, Lacaton & Vassal está transformando um conjunto habitacional de 530 apartamentos, adicionando varandas pré-fabricadas, ampliando as janelas e criando jardins de inverno fechados. Estes são passos modestos com resultados dramáticos e um prazer renovado no espaço pessoal. Enquanto isso, disse Vassal, o caráter excêntrico de cada apartamento é deixado em paz. "Tudo isso é extremamente encantador", disse ela sobre os interiores. "Por que devemos mudar isso?"
Não tirar as coisas inclui preservar as configurações naturais. "Inove", disse Vassal, "mas mantenha o local como está." As muitas imagens exibidas na palestra incluíram uma casa construída sobre uma duna dentro de um bosque de árvores à beira-mar. A construção - uma estrutura de aço leve e alta e janelas para paredes - não derrubou uma única árvore. Havia “50 no início da construção, 50 no final”, disse ela. A ideia era ser “extraordinariamente preciso” ao inserir uma casa em um ambiente que já tinha “80% do que era necessário”, disse Vassal, incluindo areia, árvores e uma vista.
Da mesma forma, Lacaton & Vassal projetou um “bairro ecológico de clusters” em um trecho de floresta urbana. Para preservar toda e qualquer árvore - e permitir mais crescimento - propuseram a construção de unidades habitacionais acima da vegetação, em dois níveis. Interconectando tudo estariam passarelas semelhantes a trilhas, algumas delas elevadas.
Adicionando natureza onde não há, às vezes é a resposta. Em Bordeaux, a empresa alterou dramaticamente a aparência de um edifício com um toque leve e inteligente: um jardim vertical de 650 roseiras plantadas ao redor da fachada.
Em outras ocasiões, disse Vassal, a solução para um desafio projetual é ainda mais mínima, como em uma pequena praça urbana sombreada por árvores que o escritório estudou durante meses. A decisão foi "não fazer nada", disse ela. "Nada."
Sua ética de construção, disse Vassal, “sempre começa nesta pequena cabana na África”.